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Ramadão em Portugal: “É um país pacífico, então está tudo bem”

28 de fevereiro, 2025
Oeste CIM
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Vivem no Oeste, vieram da Gâmbia e já se integraram na comunidade de Peniche. BK (assim prefere ser chamado), 26 anos, em Portugal desde agosto de 2023 e Mustapha Sanyang, de 29 anos e há dois no país, vão iniciar hoje, tal como milhões de fiéis espalhados por todo o mundo, o período do Ramadão, momento de renovação da fé, de aproximação dos valores do Islão e cujos rituais nem sempre estão em linha com o estilo de vida do mundo ocidental. Mas é tudo uma questão de adaptabilidade, compreensão mútua e respeito. Apesar da reserva em serem fotografados, mostraram grande abertura na conversa com a Oeste CIM, deram-nos conta da sua experiência e agradecem a forma como foram recebidos: “Portugal não é como os outros aíses europeus, a diferença aqui não é um problema.”

Como descrevem a experiência de viver em Portugal?

BK: A minha experiência em Portugal é muito boa porque eu estou aqui há um ano e cinco meses. No início tive muita dificuldade em conseguir trabalho, mas desde que estou em Peniche sim, tenho um bom emprego [trabalha nos Estaleiros navais de Peniche na área da serralharia].

Mustapha: Aqui estou bem. Tenho liberdade e as pessoas cumprimentam-se, parece África aqui. É diferente dos outros países da Europa, aqui posso cumprimentar e conversar com alguns. Por isso eu gosto mais de Portugal.

Que desafios tiveram de enfrentar para se integrarem na sociedade portuguesa, cultural e religiosamente?

BK: Não tive qualquer dificuldade em Portugal sobre religião. As pessoas respeitam os ‘Musslim men’, tal como nós respeitamos as suas religiões.

M: Não tenho desafios aqui. Em Peniche não há mesquita, mas isso não é problema para mim, porque sei que não é um país muçulmano, mas eu vou a Lisboa à sexta-feira e rezamos juntos, durante 1h15m a 2h. Sexta-feira é o dia mais importante.

A comunidade muçulmana tem visibilidade suficiente em Portugal? Há algo que gostariam que mudasse?

BK: Desde que cheguei a este país percebi que existem muitos muçulmanos aqui. A integração foi boa porque desde que cheguei, tive pessoas que me apoiaram e isso é o mais importante. A religião é diferente, a alimentação também, mas Portugal é um país pacífico, então está tudo bem.

M: Em Lisboa sim, em Peniche não. Não há nada que gostaria que mudasse, está bom assim.

Como foi a adaptação aos costumes portugueses? Existe alguma coisa de que sentem falta em relação ao vosso país de origem?

BK: Do meu país o que eu realmente sinto falta é de toda a minha família [risos] …sim… eu sinto falta da minha família…porque eu não vejo a minha mãe há seis anos porque eu viajei para outros países antes de chegar a Portugal.

M: Bom, eu ainda não me adaptei à comida portuguesa, só. Mas com o tempo vou aprender a acostumar-me a tudo, vou adaptar com coisas que sejam melhor. Por exemplo o vinho ‘tás’ a ver, se eu sei que não é bom para mim eu não vou fazer. Só sinto falta da minha família [respiração ofegante], eu estou muito confortável aqui.

Como analisam o apoio à diversidade religiosa em instituições como escolas, locais de trabalho e espaços públicos?

BK: Toda a gente tem a sua própria religião, eu respeito a sua e você respeita a minha, não vejo que isso seja um problema. O mais importante é o respeito.

M: Na escola e no trabalho não há problema. Eu estava a fazer o banho [religioso] na rua com água e sal e o chefe permite que eu reze, mas sugere que use água sem sal e respeita se eu demorar mais uns minutos.

Tem alguma história vivida em Portugal que gostariam de partilhar?

BK: Sim, o que eu quero partilhar é que o mais importante para mim é neste momento ter um emprego. Quando estive em Lisboa eu não tive trabalho e ao chegar a Peniche, passado poucos meses consegui um trabalho, por isso, nunca me irei esquecer disso.

Como vivem o Ramadão em Portugal, especialmente com relação ao jejum e às orações?

BK: O ano passado eu estava em Benfica, Lisboa, eu fiz o Ramadão em paz, acordei à noite às 3 ou 4h da manhã, para cozinharmos e comermos. Apenas comemos quando o sol vai embora, as horas de refeição dependem, mas posso comer duas vezes à noite às 19h ou 20h e às 3 ou 4 da manhã.

M: Antigamente quando não trabalhava foi ótimo ‘tás’ a ver, mas agora a trabalhar, o trabalho é muito duro, às vezes, mas não sei como vai ser, ficar durante o dia sem comer e sem beber água.

Os empregadores e colegas de trabalho em Portugal compreendem as necessidades dos muçulmanos durante o Ramadão?

BK: Eu rezo no Ramadão e sem ser no Ramadão, normalmente cinco vezes por dia. Quando trabalhamos temos de rezar mesmo no trabalho e não nos podemos esquecer. Normalmente devemos parar o trabalho para rezar, devemos explicar que precisamos de cinco minutos para rezar e depois regressamos. No meu caso, eu consigo conciliar as orações com as pausas no trabalho. Não sei se no trabalho entenderiam se eu tivesse de parar fora das pausas. Eu rezo às 13h/14h e 15h e 16h, 17h, tal como todos os muçulmanos.

M: Temos de rezar às 12h ou às 13h, às 15h ou às 16h, às 17h ou às 18h, às 20h ou às 21h. Ainda não sei como vai ser. No meu período de pausa não há problema, as orações vão ao encontro das minhas pausas.

Como é a interação com a comunidade muçulmana local durante este período? Há eventos ou celebrações comunitárias específicas?

BK: Não, o Ramadão a chegar são 29 ou 30 dias. Nós organizamo-nos, vamos para Muss [igreja em Benfica], rezamos em Lisboa, todos os Musslim vão lá, até às 7h30, depois vão para casa, organizam a comida. Se tens famílias ou amigos, juntam-se, rezam. Venho da igreja passado uma hora ou mais, depende do líder. Eu vou lá algumas vezes, não só no Ramadão. Em Peniche não há Muss, mas em Lisboa eu costumo ir à sexta-feira.

M: Aqui conheço muçulmanos, mas nunca aconteceu. O ano passado fui a Lisboa estar com os meus irmãos gambianos.

Enfrentam algum desafio específico ao viver o jejum em Portugal, por exemplo, em relação aos horários ou ao clima?

BK: Não tenho dificuldades com os horários nem com o clima, porque no meu país era parecido. Eu consigo fazê-lo, até porque eu trabalhava na agricultura e conseguia gerir. Os dias no inverno são mais pequenos e não é difícil fazer o Ramadão, porque quando chego do trabalho, passado um pouco já é de noite e consigo comer e recuperar a energia.

M: Não, tudo ótimo. O sol vai embora cedo e temos muitas horas para compensar o jejum.

Como descrevem a reação dos portugueses ao Ramadão? Sentem curiosidade, respeito ou alguma resistência?

BK: No ano passado senti alguma curiosidade, mas não tive qualquer dificuldade. Algumas pessoas sabiam que fazíamos o Ramadão, por exemplo, umas pessoas a quem eu ajudava nessa altura em Lisboa, mas nunca me demoveram. Costumam ser pacientes e entendem. A diferença não é um problema, eles respeitam. Também não sinto qualquer resistência da parte de ninguém.

M:  A minha experiência foi na escola quando estava no curso de eletricidade [em pós-laboral], mas o professor tem muito respeito e é muito simpático e quando tínhamos de comer durante o Ramadão ele entendia e ele depois explicava a matéria que tinha dado na aula, por isso sou muito grato. Na pausa dos colegas ele explicou-me o que ensinou antes, é boa pessoa.

 

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Última Atualização 26 fevereiro, 2025

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