“Os professores precisam de tempo e este projeto é uma lufada de ar fresco”

Foram três dos vinte e cinco professores do Oeste que participaram, durante o ano letivo 2024/25, no programa Job Shadowing ao abrigo do projeto de mobilidade internacional do programa Erasmus+, sob a coordenação da OesteCIM, em parceria com a entidade acolhedora Humacapiact. Susana Frutuoso esteve em Turim, Itália (10 a 16 novembro), Tathiana Germano foi a Sevilha, Espanha (24 a 30 de novembro) e Deolinda Silva experimentou Rovigo, Itália (26 de janeiro a 1 de fevereiro). Em conversa com a OesteCIM, partilharam os conhecimentos que adquiriram nos países e regiões em causa e apontaram as diferenças relativamente ao sistema de ensino português, tais como:
- Ensino obrigatório em Espanha e Itália até aos 16 anos
- Escola portuguesa tem um papel social que em Itália só ocorre no ensino privado
- Tempo de sala em Itália é menor, mas muito bem aproveitado
- Educação especial integrada em Itália, não é feita à parte
- Forte descentralização e autonomia das escolas
- 5.º e 6.º ano é feito em monodocência em Espanha
- Ensino profissional tem um peso grande
- Professores e alunos têm menor carga horária
- Professores portugueses investem mais em formação
Uma entrevista reveladora.
O programa correspondeu às expectativas?
Tathiana Germano: “Não é a mesma coisa comer tapas e ir aprender nas escolas espanholas. Efetivamente isso foi superado, até pela descoberta de novas aprendizagens que não contava ter, nomeadamente as aprendizagens sobre o nosso próprio sistema de ensino e todas as reflexões que podem surgir quando conhecemos uma realidade diferente da nossa.”
Deolinda Silva: “Confirmaram-se as expectativas positivas. Este modelo, que para algumas pessoas não é confortável porque há pessoas que gostam de fazer Erasmus só com pessoas que conhecem, é brilhante. Esta modalidade da OesteCIM coloca as pessoas de diferentes escolas a dialogar e a refletir sobre as suas práticas à luz daquilo que estamos a ver.”
Susana Frutuoso: “Fui com o objetivo de recolher o máximo de ideias possível, mas acabei por conseguir estabelecer contactos com professores italianos e escolas. Fiquei muito surpreendida em particular com a questão da autonomia curricular que é algo que me interessa muito, e foi uma experiência muito motivadora a nível pessoal e a nível profissional. Já há aqui alguma coisa a crescer fruto desta mobilidade.”
Quais as maiores diferenças que sentiram face ao sistema de ensino português?
Deolinda Silva: “Desde logo a idade do ensino obrigatório (até aos 16 anos) relativamente à Itália. Também a estrutura do horário, a organização do horário e da componente letiva. Depois, o papel da escola, porque as escolas que visitámos não têm, por exemplo, o almoço como uma oferta obrigatória. O papel social que a escola portuguesa assume não é equivalente à Itália, esse papel ocorre mais no ensino privado, no ensino particular.
Mas uma das questões mais significativas tem a ver com a organização do horário, com a componente letiva, como ela é assumida, a ocupação plena do horário, ou seja, a substituição obrigatória dos professores que se ausentam de forma planeada ou não prevista.
Outro aspeto marcante é a componente da regulação e da autorregulação comportamental. A indisciplina não era visível nem perturbadora do tempo das aprendizagens, ou seja, o tempo de sala de aula é menor, mas paralelamente verificava-se que a atitude dos alunos dentro da sala de aula era de tal forma adequada, com um comportamento e uma regulação muito significativo, parecia que o tempo era, de facto, muito bem aproveitado.
A questão da escola inclusiva também foi marcante: foi possível compreender que os professores de educação especial estavam dentro da sala de aula de forma muito discreta, a educação especial não era feita em espaços à parte, a questão da escola inclusiva também tem ali um modelo muito específico.
Finalmente, a questão do ensino profissional: os alunos só são obrigados a estar no ensino obrigatório até aos 16 anos, mas antes já são encaminhados para uma via profissional que é bastante estruturante no ensino italiano. As escolas de ensino profissional têm objetivos muito claros e os alunos, por orientação própria ou pelo próprio sistema, escolhem sem preconceito esta via, provavelmente em Portugal ainda teremos de refletir sobre o papel do ensino profissional.”
Susana Frutuoso: “A questão da autonomia, permitindo que a escola adapte aquilo que quer transmitir a cada minizona, acho isso essencial. Depois, a questão em termos organizacionais, o facto de os professores terem 18 horas letivas semanal, que é um bocadinho diferente da nossa carga, o facto de os alunos estarem mais na escola só no período da manhã e da parte da tarde terem a oportunidade para participar nos clubes e o facto de muitos destes clubes serem geridos por empresas da comunidade e não da responsabilidade da escola.
O facto, por exemplo, de haver a integração progressiva dos alunos estrangeiros: um aluno estrangeiro que chega à escola em Itália não é avaliado ao longo do primeiro ano, acho que isso também é uma coisa que nós devíamos repensar aqui em Portugal, fazer esta transição de forma um bocadinho diferente.
Há um envolvimento muito forte, pelo menos em Turim, da comunidade sénior, ou seja, a Câmara faz um trabalho excecional, a meu ver, com a comunidade sénior, ao inscrever estas pessoas para os colocar em diferentes serviços públicos. Numa das escolas em que estivemos havia duas senhoras que estavam voluntariamente a dinamizar a biblioteca.
Outra questão é o facto de haver contratação de psicólogos externos à escola que vão semanalmente cumprir algumas horas e que estão disponíveis para colmatar estas necessidades dos alunos.
Há ainda a questão de o ensino que deixa de ser obrigatório aos 16 anos. Depois há uma participação (do Estado). O ensino é pago, mas com base nos vencimentos do agregado familiar, também achei isto interessante.
Tathiana Germano: “Em Espanha o ensino obrigatório é até aos 16 anos, mas gratuito até aos 18. O ensino profissional deles é mais prático, não tem o tronco comum que nós temos cá; é mais profissionalizante, talvez seja menos rico, não sei… Eu estive em Sevilha, é turístico a três mil por cento e, portanto, têm muito ensino profissional de restauração, de hotelaria e, efetivamente, as competências que eles precisam.
Em termos da distribuição do horário, eles têm só o horário da manhã e para a tarde fica só quem precisa, e estou a falar do primeiro ciclo e do pré-escolar, eu sou educadora. Nós temos uma taxa enorme de crianças que passam entre as 11 e as 12 horas (2:04) na escola, os mais pequeninos ainda mais, portanto é refrescante ver que, efetivamente, as pessoas conseguem trabalhar e ter os meninos em casa mais tempo.
Em termos de currículo, os professores têm autonomia para dar como eles acham que é mais produtivo e melhor. Achei isso curioso. Nós cá somos um bocadinho... o que é que temos de dar, ok? Chegamos ao final do primeiro período, tem de ter aprendido este e aquele conteúdo, saber cinco consoantes, as quatro vogais, essas coisas. E, portanto, achei engraçado eles lá serem mais livres e flexíveis.
Em termos de gestão de comportamentos, que também é uma área que me interessa porque eu acho que cada vez mais temos de educar boas pessoas e não pessoas nota 20… Estivemos numa escola que tinha grupos de gestão de conflitos com uma psicóloga. Achei muito interessante. Quando os meninos têm algum problema são integrados em grupos de gestão de conflitos. Por cá, infelizmente, acho que a gestão de comportamentos às vezes é muito fraturante. Queremos que a educação venha de casa, então se eles não vêm educados de casa, falta disciplinar, rua, acaba por ser muito fraturante e não tão trabalhada.
Nós aqui falamos muito da junção do 5.º e do 6.º ano ao 1.º ciclo, com a monodocência, e lá eles já têm isso, a monodocência é até ao 6.º ano e funciona bem.
Acho muito rica a forma como eles podem propor-se a formações. Este ano, em setembro, vou receber um menino surdo-cego. Então, ok, preciso de formação. Na Andaluzia há mais professores que precisam disto,
OK, vamos juntar, vamos construir a formação para esta docente que precisa. Isso é o sonho, não é?
Como é a descentralização de competências?
Tathiana Germano: “Espanha é um mundo, só posso falar em relação à parte da Andaluzia, e eu percebi que são autónomos em cada município. De qualquer forma, é uma autonomia para umas coisas, mas dependem muito do poder central. Mas os pagamentos vêm diretamente do município. Isso acaba por tirar um peso grande às escolas em termos das secretarias. De qualquer forma, em relação à parte dos alunos, percebi que há alguma autonomia.
Deolinda Silva: “Creio que [a descentralização em Itália] será mais ao nível da administração no geral. Existem muitas questões que em Portugal estão descentralizadas na gestão escolar, existe uma maior responsabilização e autonomia a um nível até de contratação e de candidaturas. Mas existe uma grande descentralização, mais do ponto de vista pedagógico e da parte da gestão do currículo e da organização das escolas. Do ponto de vista da gestão, creio que a descentralização em Portugal, ou pelo menos a responsabilização do ponto de vista da gestão em Portugal, será muito significativamente maior.
Susana Frutuoso: “Há muita descentralização a nível curricular. Voltando àqueles 20% que acabam por permitir às escolas, embora estejam até às vezes na mesma cidade, ter realidades diferentes e ter recursos muito alternativos e muito direcionados para o público que têm. Em termos de gestão, por exemplo, os diretores são escolhidos por um concurso. Lembro-me, em particular, de uma diretora que conhecemos que era muito novinha e que nós ficámos todos muito espantados e perguntámos qual tinha sido o percurso dela e ela disse que fez um curso, concorreu às vagas e, portanto, aquilo seria um cargo vitalício, que também achei interessante.
E depois há o facto de eles poderem contratar os serviços externos, como os psicólogos, os clubes que podem trabalhar na escola, portanto, estas parcerias com a comunidade e com serviços da comunidade também são importantes. Já ao nível do curso profissional, visitámos uma escola que está muito bem integrada e que tem dentro da escola vários serviços que funcionam abertos à comunidade: padaria, uma chocolataria, um café, um restaurante que já teve uma estrela Michelin… tudo isto depois acaba por servir a comunidade e isto, segundo o que nos foi transmitido, vem desta autonomia de gestão que a Itália consegue ter, que nós ainda não temos.
Como são os alunos em comparação com os portugueses?
Tathiana Germano: “Ah, igual. Não vi grandes diferenças. O mesmo hoodie para cima que o pessoal tem de mandar tirar, o mesmo boné que o pessoal tem de mandar tirar, os mesmos encostados de lado no canto e ao fundo.”
Susana Frutuoso: “Os miúdos são iguais em todo lado. Mas em termos de gestão comportamental, nos corredores não houve barulho, quando entrávamos na sala os miúdos levantavam-se e, portanto, há aqui algumas diferenças, mas, no geral, os alunos são iguais.”
Deolinda Silva: “Eu senti o mesmo. Mas não vi em nenhuma escola existir ali a necessidade de corrigir indisciplina ou algum comportamento perturbador e isto faz toda a diferença, porque sabemos que, se de facto for sempre assim, isto ajuda muito no aproveitamento do tempo escolar e, depois, também havia aquela questão do respeito, que era genuíno.”
E o que vocês ensinaram?
Tathiana Germano: “Não houve tempo para uma partilha grande das práticas letivas dos docentes espanhóis. Eu tive uma pequena partilha com a educadora de infância que visitámos, mas foi dentro da aula, foi ali a perceber um bocadinho, mas foi muito breve e muito com crianças no meio.”
Deolinda Silva: “Compreendi que os colegas estavam mesmo genuinamente interessados em perceber se fazíamos diferente, como é que fazíamos, depois de observarmos o que é que nós sentimos, e estavam planeados momentos de reflexão e de debate com as coordenações e com os professores.”
Susana Frutuoso: “Aquilo que consegui também passar em Turim, e senti que eles ficaram surpreendidos, foi talvez o nosso investimento, enquanto docentes, na nossa formação. Eles não investem tanto em formação como nós, pelo menos a tipo pessoal, até porque não são avaliados, é outra das coisas que é diferente e que é importante referir: os professores italianos não são avaliados como nós, não têm o mesmo sistema de avaliação, e, portanto, às vezes há um desinvestimento, de acordo com aquilo que eu pude recolher do feedback de alguns colegas. Há fases da vida deles em que há um desinvestimento e que nós portugueses acabamos por investir anualmente na nossa profissão, nas novas aprendizagens, tecnologias, etc.
Como avaliam esta oportunidade proporcionada pela OesteCIM aos professores da região?
Tathiana Germano: “Faz sentido desafiarmo-nos e pensar as mudanças que nós podemos fazer. Temos de nos conhecer, de respeitar as outras culturas, temos de integrá-las sem deixarmos de ser nós próprios. Faz sentido perceber que as minhas estratégias têm de ir ao encontro de um desenvolvimento mais globalizante, porque hoje são vizinhos a 2.000 quilómetros, mas amanhã eles são os nossos vizinhos de sala.
Cada vez mais vemos meninos a perderem-se noutras identidades, noutras nacionalidades e estou aqui a falar muito como educadora de infância, tenho miúdos a falar com sotaque brasileiro sendo filhos de portugueses.
É assustador a perda da nossa identidade. Faz sentido criarmos meninos com espinha dorsal para perceberem que somos portugueses. O que é ser português? O que é falar português? O que é viver em Portugal?
Mas também o que é ser um bom português? O que é ser uma boa pessoa? O que é ser uma pessoa que recebe, que aceita, que cresce com as coisas boas dos outros, mas sem perder a sua espinha dorsal?
Portanto, faz sentido perceber que é importante conhecermos o mundo que está aqui, ao virar da página.”
Deolinda Silva: “Faz todo o sentido e para todos os professores que possam participar nesta oportunidade, será de facto muito significativo, porque é um momento em que os professores saem do seu contexto para dedicar todo o tempo à aprendizagem, à reflexão, e em contexto de grupo. Por outro lado, é uma iniciativa que potencia muitas parcerias e muitas pontes de contacto do nosso território educativo com outros espaços, e isto é de facto muito importante.”
Susana Frutuoso: “Espero que a OesteCIM continue com estes projetos, porque isto é uma lufada de ar fresco, é uma oportunidade para o professor vir à tona de água e respirar, sair um pouco da sua rotina, poder perceber as coisas que faz bem, onde é que tem espaço para melhorar e perceber como potencia a possibilidade de transmitirmos aos nossos alunos que o mundo está aqui ao virar da esquina e tem que ser respeitado, mas explorado e vivido.”
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