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Educação e Formação

“Em muitos profissionais de saúde ainda há desconhecimento sobre amamentação”

30 de julho, 2025
Oeste CIM
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Soube do Projeto Oeste +Grávida através do marido, natural das Caldas da Rainha, e de pronto ofereceu-se para ministrar sessões sobre amamentação, um tema ainda está cercado de “mitos”, inclusive alimentados por profissionais da área, e que é preciso desconstruir. Em conversa com a OesteCIM, Sara Condeço revela os maiores medos e dúvidas que as gravidas têm e lembra que o aleitamento materno tem de ser vivido sem tabus.

- Como teve conhecimento do Projeto Oeste +Grávida?

- O meu marido é das Caldas da Rainha e teve conhecimento através das redes sociais e do site. Foi ele quem me falou e eu achei que era engraçado, que que valeria a pena integrar estas sessões neste projeto.

- O que a motivou a dinamizar estas sessões de capacitação dedicadas à amamentação? 

- Porque há muita desinformação na área da amamentação. Não só da parte dos profissionais de saúde, que tentam fazer o melhor com a informação que têm, mas muitos, sobretudo aqueles que estão nas maternidades e nos cuidados de saúde primários, que são depois o primeiro ponto de contacto, muitas vezes com estas mulheres, que têm de confiar em alguém, pois é uma fase tão vulnerável que a pessoa vai experimentar tudo. E o que acontece é que as práticas hoje em dia são muito desatualizadas, não se faz uma evidência científica. No fundo, era isso que queria transmitir um bocadinho às mães, era de certa forma também tranquilizar muitas coisas e desfazer muitos mitos que ainda se perpetuam e por muitos profissionais de saúde. Das nossas avós já nem vou falar, mas por muitos profissionais de saúde é um bocadinho mais grave.

- Na sua prática profissional, enquanto médica, que principais dúvidas ou dificuldades observa com mais frequência nas grávidas relativamente ao tema da amamentação? 

- A principal é a dor a amamentar, principal dúvida se é normal, se não é… E depois se a seguir há dores, depois acho que vem a parte do peso, ou seja, a evolução do peso: se vamos pesar o bebé de dois em dois dias e não está a recuperar o peso aos 15 dias, mas esquece-se um bocadinho o que é o historial da pessoa, o que está para trás, como é que foi o parto, o que é que se fez durante o parto, se foi uma cesariana, se foi um parto vaginal. 

- Quais foram os temas que despertaram mais interesse nas sessões que fez?

- Quando falámos do que influenciava um bom início da amamentação gerou-se aqui a dúvida se a cesariana teria impacto, ou seja, se o tipo de parto depois iria ter impacto no sucesso da amamentação, em que situações é que a colheita de colostro estava preconizada. Houve uma mulher que perguntou se havia a possibilidade de extrair exclusivamente e oferecer leite ao bebé; falámos sobre se os mamilos de prata eram realmente úteis, todos aqueles apetrechos, a famosa lanolina, mas a verdade é que há muitos mitos ainda e foram boas estas dúvidas, porque depois também deu para aprofundar.

- Qual é a sua opinião sobre a elevada adesão destas sessões? 65 grávidas de diferentes regiões do país participaram.

- Fiquei muito surpreendida. Juro que não estava à espera de ter tanta adesão e houve grande parte que não conseguiu comparecer. Fiquei muito surpreendida, não estava à espera de ter uma adesão tão grande, sobretudo na primeira sessão.

Sei que há muitas pessoas que não têm acesso a estas sessões. Precisamos de mais iniciativas que aumentem a literacia e saúde nesta área

- Como interpreta o facto de mais de 87% das participantes nunca terem tido acesso a sessões sobre amamentação? 

- É preocupante. E foi mais uma das razões pelas quais eu quis fazer estas sessões, porque sei que há muitas pessoas que não têm acesso a estas sessões, seja por causa do nível monetário. Mas é muito preocupante e precisamos de mais iniciativas que aumentem a literacia e saúde nesta área. 

- Qual é o maior receio que as grávidas mais vezes referem relativamente a este tema da amamentação? 

- Acho que é o ter dor, o não conseguir amamentar por ter dor.  Ou ‘tenho o mamilo pequeno’, ou ‘tenho os mamilos invertidos’, ou ‘tenho a mama pequena’, pronto, como se a mama pequena fosse sinal de não conseguir [amamentar].

- Que conselhos costuma dar às mulheres que descobrem que não podem amamentar? 

- Tento aconselhá-las a procurarem apoio emocional. Se for uma coisa que elas querem muito, acabo sempre por referenciar a psicoterapia e vou sempre acompanhando este processo porque há mesmo algumas pessoas para quem o processo é custoso. Existem razões médicas, apesar de raras, para não conseguir amamentar. E depois há as razões maternas, razões também psicológicas, porque a amamentação é protetora da saúde mental até certo ponto. E há mulheres que querem tanto amamentar e ficam tão stressadas com isso e muitas vezes o que acontece são casos de baixa produção de leite, o processo é um bocadinho intenso. Dá trabalho. Esta fase do pós-parto imediato é uma fase muito sensível e, portanto, há mulheres que simplesmente não querem nem estão para tentar aumentar a produção de leite, a fazer extração mais vezes. E isto depois também tem impacto na saúde mental, elas não conseguem descansar porque estão a pensar que têm de produzir leite, que têm que ao máximo fazer extração. Acaba por haver ali um sentimento de culpa e frustração nesse momento.

Há o peso de se não amamentar o meu filho vou ser uma mãe horrível, o bebé já não vai desenvolver-se tão bem. Tem de se desmistificar um bocado isto

Um peso adicional, portanto…

- O peso de se não amamentar o meu filho vou ser uma mãe horrível, o bebé já não vai desenvolver-se tão bem, quer dizer, tem de se desmistificar um bocado isto. É claro que o leite materno é a melhor opção, mas o leite artificial pode ser a melhor opção para aquela família e deve aceitar-se isso e tirar o peso destas mães que também tantos profissionais colocam depois em cima. 

- Considera que esse peso que elas sentem, essa culpa, vem muitas vezes da própria sociedade? 

- Sem dúvida. O de incutir que têm mesmo de amamentar porque amamentar é o certo. Acho que a sociedade tem aqui um papel tremendo. Acho que [nós, mulheres] vamos ser escrutinadas qualquer que seja a opção que tomemos, nunca vamos conseguir agradar a todos. Numa das sessões falo sobre o papel da família e sobre o papel do companheiro ou da companheira, quer dizer, tem de haver aqui um apoio.

- De que forma estas ações contribuem para o empoderamento das grávidas e para uma preparação mais consciente para a maternidade? 

- Acho que estas sessões acabam por sensibilizá-las na medida em que elas também já vão preparadas para alguma desinformação que há até por parte dos profissionais de saúde. Pelo menos o meu objetivo foi esse, o de tirar-lhes algum peso deste processo de amamentação e de não pensar logo que é um fardo, que estou a falhar e não vou conseguir de todo. É preciso que uma pessoa isenta tenha essa conversa com a família e não sejam as próprias grávidas, não é? Porque muitas vezes existem crenças muito enraizadas na mente dos familiares. Acho que é muito útil para maridos e para avós, muitas vezes que são os que mais frequentemente dão apoio depois no pós-parto.

As mulheres vão trabalhar tão cedo que isto não promove de todo o aleitamento materno exclusivo, nem nada que se pareça

- Com base na experiência destas sessões, que próximos passos devem ser tomados para reforçar o apoio à amamentação? 

- Número um: formar profissionais de saúde, é um ponto crucial. Existe muito desconhecimento, a começar pelos profissionais das maternidades. No pós-parto imediato, e mesmo a nível privado, depois de obstetras e ginecologistas e pediatras, pois também existe muito desconhecimento e é preciso perceber sobre a amamentação, sobre a evolução do peso do bebé e não nos cingirmos só à parte teórica e ser um bocadinho flexíveis em algumas coisas. E depois, obviamente, as entidades patronais, públicas e privadas, terem medidas que apoiem o aleitamento materno. As mulheres vão trabalhar tão cedo que isto não promove de todo o aleitamento materno exclusivo, nem nada que se pareça, e vejo frequentemente mães a introduzirem o aleitamento especial porque vão ter de ir trabalhar. 

- A extração de leite, portanto…

- Isto é outra coisa que as mulheres também não sabem, é que nós podemos começar a extrair leite antes de ir para o trabalho, se queremos oferecer o nosso leite, isso é possível, o leite artificial não é a única saída. É preciso haver espaço para a mulher conseguir extrair durante o trabalho, para se conseguir manter a produção de leite, que é outro tema também, é ter condições laborais para se conseguir fazer estas coisas, que não seja na casa de banho. Eu também extraí na casa de banho!

- Como descreve a experiência de colaboração com a equipa da OesteCIM na organização e concretização destas duas sessões? 

- Foram sempre muito céleres na OesteCIM. Faço um mea culpa porque houve ali uma altura que eu deixei de responder porque andava um bocado a assoberbada de trabalho, mas durante o processo foram todos super profissionais e gostei muito. 

Última Atualização 24 julho, 2025

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